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sábado, 1 de outubro de 2011

ACADEMIA MACAIBENSE DE LETRAS
ELOGIO À PATRONESSE AUTA HENRIQUETA DE SOUZA
DIA 12 DE SETEMBRO DE 2010.


Saudações Acadêmicas!
A história desta cidade nos induz à contemplação de um belo mural de estrelas que compõem a cultura macaibense.

Cada uma possuidor de brilho próprio, específico, robustecido pelo reconhecimento dos conterrâneos, dos co-estaduanos, e  até por brasileiros afoitos pelo otimismo de suas esperanças, como OLAVO BILAC, JACKSON DE FIGUEREDO, TRISTÃO DE ATAIDE, NESTOR VICTOR, GONÇALVES DIAS, LUIZ MURAT E, ENTRE NÓS, LUIZ DA CÂMARA CASCUDO, amantes das letras brasileiras, principalmente de nossa poesia romântica, os quais divulgaram com a maestria dos cultores.

Algumas dessas estrelas, infladas pelo reconhecimento nacional, chegaram ao rol dos notáveis.

Macaíba, guardadas as proporções de cidade provinciana, no final do século XIX e início do século XX, crescia na conceituação das crônicas culturais das metrópoles nordestinas, pois que era detentora de um painel de personalidades de inestimável valor, ampliando, de maneira panorâmica, a moldura deste rincão, desenhado às margens do Jundiaí.

Sentinela avançada da cidade do Natal, que é cercada de dunas; que é ribeirinha do estuário do Rio Grande e do mar.  Macaíba – com a qual a capital se ligava somente por via fluvial, tornara-se entreposto comercial obrigatório, em face a topografia e a geomorfologia, intermediando as ligações da capital com as demais cidades do Estado.

Com esses atrativos e o irresistível aceno econômico, formatado pela conjuntura, famílias, econômica e socialmente bem posicionadas,e, ainda politicamente projetadas nos estados vizinhos, renderam-se ao feitiço da Princesa do Jundiaí e aqui chegaram para acalentarem o sonho do desenvolvimento.

Àquela época, a história registra, a presença de patriarcas, como exemplo, FABRÍCIO GOMES PEDROSA, poderoso comerciante de raro talento.

Alicerçado em experiência européia, construiu armazéns e um porto de razoável calado, em Guarapes, onde o rio permitia ancoragem de navios de grande porte, para travessia oceânica, tornando-se o pioneiro do comércio exterior neste Estado.

Outras famílias, vindas da Paraíba e de Pernambuco, na medida em que imigravam, iam formando o núcleo que constitui o berço da aristrocacia macaibense.

Ficaram famosas as festas, os saraus, as tardes musicais, com piano e violinos, regadas com chás europeus e indianos.

Os recitais de poesia nas tardes domingueiras, freqüentadas por pessoas residentes em Natal,  chegadas por via fluvial, pelo Jundiaí, eram muito apreciadas.

Naquele tempo registravam-se as presenças dos ALBUQUERQUE MARANHÃO, FREIRE, TAVARES DE LYRA, MOURA, ALECRIM, PACHECO DANTAS, CASTRICIANO DE SOUZA, MARINHO, MESQUITA, ANDRADE LIMA,  VARELA, DANTAS DE ARAÚJO, GARCIA, LEIROS, RIBEIRO, QUINTAS PEREZ,  e de muitas outras famílias vindas do interior do Estado e que aqui se radicavam.

A cidade começou a florescer nos meados do século XIX e foram exatamente os primeiros macaibenses, descendentes que eram desses valorosos colonizadores, que deram início à formação dessa época áurea da intelectualidade da terra macaibense.

Foi essa elite que a projetou para além de nossas fronteiras.

Com base nos registros da história e na projeção desses vultos que se tornaram notáveis, até nacionalmente, que plasmei, em minha mente e no coração, a idéia de constituir, de formatar, de implantar, com o apoio de macaibenses, uma casa de cultura que pudesse abrigar tantos quantos estivessem dispostos a trabalhar pela preservação dessas raízes da nobreza cultural, das letras, das artes e da música, a fim de que pudéssemos  dar continuidade à tradição desta terra.

Eis nossos motivos!

Não nos arvoramos como pioneiros!

Outros macaibenses, em momentos distintos, constituíram grupos artísticos e literários, que se projetaram e marcaram época.

A tradição oral nos resgata relatos de que jovens da família MARANHÃO, liderados por ALBERTO, TAVARES DE LYRA E CASTRICIANO DE SOUZA organizavam passeios de finais de semana à Guarapes, onde, na Casa Grande do velho FABRÍCIO GOMES PEDROSA, ensaiavam peças teatrais, declamavam poesias e cantavam, acompanhados por piano e violinos, muito ao gosto europeu.

Posteriormente, tem-se notícia das participações da menina AUTA, contra-parente dos anfitriões, pelo lado paterno.

Alí, criara-se o “CLUBE DO BISCOITO” – uma confrataria cultural.

Certa vez, meu avô, JOÃO VITERBINO DE LEIROS,  lembrando o passado de eudição, falou de um INSTITUTO LITERÁRIO MACAIBENSE, do qual eu ouvira falar, ainda menino, e que teria sido composto por LUIZ FERNANDES, LEONILO MIRANDA, JOÃO DE LYRA TAVARES, AMINTAS BARROS, TAVARES DE LYRA, ALBERTO MARANHÃO E HENRIQUE CASTRICIANO, onde se ensinava, conjuntamente, francês ( língua da aristocracia da época), inglês e português.

Outra associação conhecida era o GRÊMIO LITERÁRIO “TOBIAS BARRETO”, da qual participavam jovens como HENRIQUE CASTRICIANO, LUIS TAVARES DE LYRA, FRANCISCO FREIRE DA CRUZ, ODILON FREIRE DA CRUZ, ODILON FREIRE FEITOSA E FRANCISCO SEBASTIÃO COELHO, dentre outros.

JOSÉ LEIROS, ainda muito jovem, freqüentou o GRÊMIO POLIANTEK, aficionado que era das ciências e da literatura.

No Solar Caxangá, os amigos OCTACÍLIO ALECRIM, JOSÉ LEIROS E CONSUELO ANDRADE reuniam-se para discutir poesia, literatura e teatro, e, simultaneamente, tentar a editoração de um jornal, o que nunca se efetivou.

Para constituir esta Academia, buscamos nos arquivos de nossa memória; nos acervos do historiador FRANCISCO ANDERSON TAVARES; no amor caloroso do emérito professor CARLOS ROBERTO DE MIRANDA GOMES; na acuidade de nosso escritor, que se supera a cada obra editada, professor PEDRO SIMÕES NETO, o grande incentivador para a implantação desta Academia; da empolgação do Conselheiro VALÉRIO ALFREDO MESQUITA, do apoio incondicional do denodado, memorialista, Doutor OLÍMPIO MACIEL.

A partir dessa amálgama, que nos lançamos à busca dos elementos fundamentais para o lançamento da primeira pedra, dando  início à tarefa de buscar amigos, convidá-los à participação neste trabalho, apesar das dificuldades encontradas.

Porém, todas elas foram vencidas. Quer pela tenacidade dos companheiros de grupo, quer pela dinâmica e pujança de nossa força de vontade e devotamento.

Assim, constituímos a Academia com os seguintes PATRONOS e cadeiras:

1º - ABEL FREIRE COELHO; 2º - ALBERTO FREDERICO DE ALBUQUERQUE: MARANHÃO: 3º - AUGUSTO SEVERO DE ALBUQUERQUE MARANHÃO: 4º - AUGUSTO TAVARES DE LYRA: 5º - AUTA HENRIQUETA DE SOUZA; 6º - CLÓVIS JORDÃODE ANADRADE: 7º - DÁRIO JORDÃO DE ANDRADE: 8º - EDILSON CID VARELA: 9º - ELOY CASTRICIANO DE SOUZA: 10º- ESTEFÂNIA ALZIRA MANGABEIRA: 11º- HENRIQUE CASTRICIANO DE SOUZA: 12º- HIRAN DE LIMA PEREIRA: 13º- ENOCK DO AMORIM GARCIA: 14º- JOÃO ALVES DE MELO: 15º- JOÃO BATISTA DE VASCONCELOS CHAVES: 16º- JOÃO ANGYONE DA COSTA: 17º- JOSÉ LEIROS: 18º-JOSÉ MELQUÍADES DE MACEDO: 19º- LUÍS TAVARES DE LYRA: 20º- MARIA DE LOURDES CID:     21º- MENEVAL DANTAS:
22º - MURILO ARANHA; 23º - MARIA ALICE FERNANDES; 24º - OCTACÍLIO  DE MELO ALECRIM; 25º SOPHIA AUGUSTA DE LYRA TAVARES; 26º - MARIA TERCEIRA ALECRIM DANTAS; 27º DOM JOAQUIM ANTÕNIO DE ALMEIDA; 28º - JOÃO MEIRA LIMA;

É preciso registrar que o patrimônio histórico de nossa terra encontrou poucos adeptos quanto à sua preservação.

O último relicário era a casa onde nasceu AUTA HENRIQUETA DE SOUZA, que, de forma desrespeitosa, foi demolida contra a vontade da população, que assistiu atônita a destruição daquele prédio histórico.

Mas, outros valores nos incentivaram a continuar sonhando com a possibilidade de resgatar os vultos desta terra e dos movimentos culturais que jamais deixaram de existir, promovidos por entidades da terra, a exemplo do GRÊMIO DRAMÁTICO AUTA DE SOUZA.

Em razão disso e em homenagem  à   “DULCÍSSIMA – POETA DO JASMINEIRO”
A assembléia dos fundadores elegeu-a PATRONESSE DA AML, e eu, como aficionado de sua poesia, ocuparei a sua cadeira, o que me honra sobremaneira, e , nesta hora solene de posse, formulo o elogio de estilo


Senhores e senhoras!


Não é exatamente rica a bibliografia de AUTA HENRIQUETA DE SOUZA.

Porém, o de que dispomos sobre ela nos permite dizer do seu imponderável valor cultural, de sua grandeza e do lirismo contido em sua poética.

Do lado materno, AUTA era descendente de FRANCISCO PEDRO BANDEIRA DE MELO, um dos primeiros povoadores da região de Coité, abastado fazendeiro da região, possuidor de vasta extensão de terra.

Esse fazendeiro dera em casamento sua filha COSMA BANDEIRA DE MELO ao vaqueiro rei – FÉLIX JOSÉ DE SOUZA, conhecido como FÉLIX DO POTENGI PEQUENO, de cujo matrimônio nascera, ELOY CASTRICIANO DE SOUZA – o velho – pai de AUTA.

De modo que, pelo lado paterno, era de origem humilde e de cor melânica.

Muito cedo ficou órfã de mãe, HENRIQUETA LEOPOLDINA, e, juntamente com os avós e os quatro irmãos, passaram a morar na “Chácara Arraial”, em Recife.

Ali nasceu a exuberante força da criatividade poética daquela que se tornaria um poema vivo, mesmo menina, traquina e cheia de energia, distribuindo seus  versos entre amigas.

CÂMARA CASCUDO, falando sobre a vida de Auta, pinta-lhe o retrato com tintas firmes e graciosas, dizendo:

“Gostava de conversar, meter-se nos diálogos de gente grande e também falava sozinha.   Falar sozinha era o processo natural para povoar o ambiente, dando expressão, movimento, ação  aos jarros de flores, canteiros de jasmins, árvores, trepadeiras, arbustos, bichos do chão, das paredes e dos ares.”

E, pintando o quadro daquela época, onde se identificam  todas as crianças inocentes, na quase angelitude natural, CASCUDO viu-as inteligentes no trato das coisas simples, para assemelhar-se aos adultos circunstantes.

A importância desses enfoques, ressalta a menina poeta que, aos sete anos, já escrevia, estudava rudimentos de francês e possuía um vocabulário rico para sua idade.

Porém, as tristezas  já a haviam se cercado com a morte da mãe, HENRIQUETA LEOPOLDINA, à qual sobrevieram a do pai e de seu irmão, IRINEU, queimado na explosão de um candeeiro.

AUTA teria, então, cerca de doze anos.

Aqueles fatos ficaram tão marcados no coração e na mente da pequena AUTA que, dez anos depois, manifestava-se em poema como este:

Mas, a gaiola vazia,
que eu conservo noite e dia,
Não sabem? É o coração.
É dentro dele que mora,
É dentro dele que chora,
A alma de meu irmão.”

AUTA estudou dois anos no Colégio São Vicente de Paula, em Recife e nesse momento foi ganhadora de prêmios.

Nesse período, também, que foi acometida de tuberculose pulmonar.

Naquele tempo, AUTA leu os românticos franceses: Bossuet, Fenelon, Chateaubriand, Victor Hugo e Lamartine.
Referindo-se ao início de sua contribuição para os periódicos, diz CASCUDO:

“Torna-se moça, airosa, morena, esculpida em polpa de sapoti, “cheia de corpo”, graciosa, mais baixa do que alta, com a voz inesquecível de doçura e musicalidade que, coletadas, constituíram os originais de “Dhalias”, que mais tarde chamar-se-ia HORTO.”

Consagradora, a seu respeito, é a manifestação de JACKSON DE FIGUEIREDO, em ensaio magistral:

“A mulher tem revelado na moderna poesia brasileira, na maioria absoluta dos casos dignos de nota, uma grande capacidade artística, uma excelente técnica de verso, a segurança mais perfeita de tudo quanto é exterior ou, pelo menos, não intrínseco, à  poesia propriamente; mas raro que a vejamos capaz de comover realmente, de agitar os melhores sentimentos do coração humano.”
E, continua:  
“Com raríssimas exceções, a poesia feminina, entre nós,  tem mostrado sempre, não ter do mundo outra concepção que os sentidos podem dar.”
E, empolgado, JACKSON concluiu, dizendo:
“Direi mais francamente: Tem sido toda essa poesia, de modo mais frio ou mais arrebatado, puro sensualismo, pura embriagues dos sentidos, gemido ou pura paixão, doloroso murmúrio ou gritos, ou brutais revoltas do instinto.”

Críticos brasileiros de expressão nacional, nos séculos XIX e XX, já a reverenciaram  e, contemporaneamente, CÂMARA CASCUDO e  JOSÉ MELQUÍADES DE MACEDO  ratificaram suas opiniões.

Vale salientar que GRIECO a consagrou com a expressão:   A DULCÍSSIMA!

Nosso patrono, JOSÉ MELQUÍADES DE MACEDO, discorrendo sobre sua potencialidade poética, comentou que AUTA DE SOUZA e EMILY DICKSON  eram contemporâneas, porém jamais se conheceram.  Todavia, suas poesias guardavam o mesmo lirismo.

Foi ANA LAUDELINA FERREIRA GOMES, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFRN, doutorada pela PUC-SP, com a tese: “AUTA DE SOUZA”  que, de maneira corajosa e segura, defende a amplitude dos valores literários de AUTA HENRIQUETA DE SOUZA, declarada pela crítica como meramente cheia de religiosidade.

Comentando sua tese brilhante, ANA LAUDELINA continua:
Já em 1914, Jackson de Figueiredo, um expoente da crítica literária brasileira, conhecida como crítica católica, escreveu um livro sobre AUTA DE SOUZA (em o qual ratifica sua crítica católica).
“Em 1936, a terceira edição dp livro HORTO de Auta de Souza, foi prefaciado por Alceu Amoroso Lima, outro importante da crítica católica. Esses dois, como alguns que seguiram seus passos, partiram das tradicionais associações da mulher com o que venho chamando por ideário de feminilidade oitocentista, associado ao esteriótipo do anjo do lar.”

E arremata, segura:
Mas, como a poeta não podia se enquadrar adequadamente neste modelo – uma vez que nem era casada nem mãe e, além de tudo era escritora – reforçaram a representação de Auta de Souza como poetisa cristã e, no extremo, como poetisa mística, sempre vinculando o nome e a obra da poeta à sua explícita devoção religiosa, às temáticas entendidas como meramente religiosas, à linguagem litúrgica que por vez aparece em seus poemas.  Entre outras coisas de semelhante natureza.”

De fato, como outros críticos literários, o Dr. Mário Moacyr Porto, emérito professor conterrâneo e imortal, também navegava nas águas do lirismo, como o fez também, o consagrado Mestre Cascudo e o professor Melquíades de Macedo.

Eu mesmo, por ocasião de haver assumido a Cadeira de Auta de Souza na Academia de Letras Municipais do Brasil, Seccional de Macaíba, publicado como crônica na antologia “MACAÍBA DE CADA UM”, editado em 1985, ratifiquei aquele conceito de religiosidade.

Hoje, discordo daquela postura e vou muito além!  Pois considero, agora, seu potencial poético.  A força telúrica de sua criação literária, projetada além de seu lirismo e sem amarras às técnicas do poetar.  Solta e espontânea!

Mas, foi OLAVO BILAC que, mergulhado em emoção profunda, traçou seu perfil de poeta, dizendo no prefácio à primeira edição de “O HORTO”, que sua forma é  “LIVRE E ESPONTÂNEA”, sem a preocupação dos enfeites e sem enredar-se às teias dos artifícios técnicos.

Foi a consagração!

Senhoras e Senhores!
Ter a DULCÍSSIMA, AUTA DE SOUZA como Patronesse desta Casa é a mais distinta honra, o mais majestoso galardão que esta ACADEMIA MACAIBENSE DE LETRAS PODERIA RECEBER.

Esta é minha declaração de AMOR à poeta do Jasmineiro.

Este o ELOGIO que nasce do coração.



Bibliografia:

“Vida e Obra da Poeta Potiguar (tese de doutorado) ANA LAUDELINA FERREIRA GOMES

“Vida breve de Auta de Souza” – Luiz da Câmara Cascudo

“Auta de Souza – expressão maior do Lirismo Potiguar” – do Livro Macaíba de Cada Um  - Jansen Leiros

Wikipédia – Auta de Souza

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