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quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Carta de Pedro Avelino para Emygdio Avelino



João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Um dos documentos encontrados no Museu José Elviro, em Macau, foi a cópia “Xerox” de uma carta que o Jornalista Pedro Avelino escreveu para seu irmão, o advogado Emygdio Avelino (avô de Gilberto Avelino), sobre a liberdade de um escravo, no ano de 1885. Ela foi emitida em Angicos, em 10 de agosto de 1885.
Emygdio. É portador desta o escravo Pedro, pertencente ao Epiphanio, cunhado de Manoel Câmara, que para aí segue, de acordo comigo, e meus amigos, com o fim único de tratar de sua liberdade em cujo desideratum sofre positiva coação do seu senhor representado pelo mesmo Câmara. O referido escravo tem para isso o pecúlio de 100$000 e sofre de hérnia, mas padeceu ultimamente em inventário a avaliação de 300$000; e é quanto quer sem o menor abate o respectivo senhor. O Manoel Câmara julgando-se, talvez na Sibéria (é o que consigo ler) ou em pleno Jardim blasonou aqui publicamente, já ameaçando o escravo pela sua sorte futura, já atacando com o mais revoltante cinismo e petulância o direito das gentes, privilegiado em sua essência e já ofendendo grosseiramente em seu puro e legítimo melindre esse sentimento altruísta, altamente nobre, humanitário e universal, que hoje marca o característico do povo brasileiro, e faz o apanágio das nações civilizadas. Indigna e mesmo escandaliza ver ou ouvir falar a um escravagista ignorante, e que alimenta sentimentos tão baixos e mesquinhos como o de exercer vingança, munido só de bárbara prepotência, - sobre uma fraca e indefesa vítima da mais monstruosa e cruel tirania de que pode ser capaz o homem, - escravizando, inculcando os sentimentos e aspirações nativas e tantas de uma parte bem importante, mas bem infeliz da espécie humana! É preciso não termos ternura no coração para não sentirmos atraídos e interessados por esses infelizes, especialmente perante cenas puramente escravagistas!
É por esta simples, mas forte razão que me empenho em favor do escravo em questão, pedindo-lhe com muito interesse para você, que se orgulha em desposar a grande causa do abolicionismo, faça em prol do direito deste infeliz o que lhe facultarem seus recursos, e luzes – ponderando ao mesmo tempo em que vivamente lhe agradeço, associando-se a mim os amigos daqui – Deus – e a humanidade.
Sim.  O escravo foi recolhido a deposito com a audiência já marcada pela 2ª feira próxima vindoura, porém sucedendo-se um rapto por Manoel Câmara, manda-me aí o dito escravo para o fim acima declarado, porém se não for, por causa disso, possível tratar-se aí da liberdade do escravo, reitero meu pedido a você para por tudo obter atestado médico, com que se prove o mau físico do escravo, ainda(compreenda!) que este documento seja de duvidosa fé médica, mas que para o caso é um poderoso elemento: afinal muito devo esperar dos seus sentimentos generosos, já bastante conhecidos, e nos quais pouso as minhas esperanças nesta questão – o advogado escravagista é  Menezes! Vai o cavalo de tio Aureliano, que está aqui, para você vir. Nisso fazemos, todos, grande empenho, inclusive Padre Vigário, que neste sentido escreveu pelo escravo ao Padre Tote, e alguém a Elias Souto.
Desejava imenso que você Emygdio aparecesse ainda que não se demorasse, em último caso não podendo vir, mande o cavalo pelo mesmo escravo, e mande-me cópia de requerimento, prevenindo um despacho desfavorável, ou outro qualquer incidente nesta questão, que você melhor do que eu pode prever.
Tio Aureliano pede-lhe para você tomar prestado por poucos dias o violão encordoado do filho de Zeza, ou o de Galdino, e tio Aureliano manda-lhe dizer que esperava encontrar você aqui, porém como infelizmente não encontrou, pede-lhe com urgência para você vir cá que tem negócio sério com você.
Diga-me, que do meu remédio? Pois preciso tanto dele. Adeus. Tome em atenção o que lhe vim de dizer nesta, e disponha da vontade do seu mano e amigo, Pedro Avelino.
P.S. Entenda-se com Tote sobre a questão do escravo. Talvez seja preciso. As cartas vão por seu intermédio.
Esse Aureliano, citado acima, é Aureliano da Rocha Bezerra, nascido ao 16 de junho de 1857, filho de Matheus da Rocha Bezerra e Anna Angélica Bezerra. No seu batismo teve como padrinhos o Padre Vigário Felis Alves de Sousa e a irmã Ana Bezerra da Natividade, mãe de Pedro e Emygdio. Ele nasceu na mesmo ano que a irmã casou. Era um pouco mais velho que Emygdio (1858) e Pedro Avelino (1861). Aureliano faleceu em 12/4/1886, com 29 anos de idade em Macau, pouco menos de um ano dessa carta.
O padre Tote, citado acima, era Antonio Germano Barbalho Bezerra, filho de Antonio Barbalho Bezerra e Ignácia Francisca Bezerra. Fundou a Sociedade Libertadora Assuense a 13 de maio de 1885, com o propósito de libertar os escravos existentes no município de Assú. Foi o seu primeiro presidente. Era irmão do padre Elias Barbalho Bezerra como conta monsenhor Severino Bezerra, em Levitas do Senhor.

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