João Felipe da Trindade (jfhipotenusa@gmail.com)
Professor da UFRN, membro do IHGRN e do INRG
Um dos documentos encontrados no Museu José
Elviro, em Macau, foi a cópia “Xerox” de uma carta que o Jornalista Pedro
Avelino escreveu para seu irmão, o advogado Emygdio Avelino (avô de Gilberto
Avelino), sobre a liberdade de um escravo, no ano de 1885. Ela foi emitida em Angicos,
em 10 de agosto de 1885.
Emygdio. É portador desta o escravo Pedro,
pertencente ao Epiphanio, cunhado de Manoel Câmara, que para aí segue, de
acordo comigo, e meus amigos, com o fim único de tratar de sua liberdade em
cujo desideratum sofre positiva coação do seu senhor representado pelo mesmo Câmara.
O referido escravo tem para isso o pecúlio de 100$000 e sofre de hérnia, mas
padeceu ultimamente em inventário a avaliação de 300$000; e é quanto quer sem o
menor abate o respectivo senhor. O Manoel Câmara julgando-se, talvez na Sibéria
(é o que consigo ler) ou em pleno Jardim blasonou aqui publicamente, já
ameaçando o escravo pela sua sorte futura, já atacando com o mais revoltante
cinismo e petulância o direito das gentes, privilegiado em sua essência e já
ofendendo grosseiramente em seu puro e legítimo melindre esse sentimento
altruísta, altamente nobre, humanitário e universal, que hoje marca o
característico do povo brasileiro, e faz o apanágio das nações civilizadas. Indigna
e mesmo escandaliza ver ou ouvir falar a um escravagista ignorante, e que alimenta
sentimentos tão baixos e mesquinhos como o de exercer vingança, munido só de bárbara
prepotência, - sobre uma fraca e indefesa vítima da mais monstruosa e cruel tirania
de que pode ser capaz o homem, - escravizando, inculcando os sentimentos e
aspirações nativas e tantas de uma parte bem importante, mas bem infeliz da
espécie humana! É preciso não termos ternura no coração para não sentirmos
atraídos e interessados por esses infelizes, especialmente perante cenas
puramente escravagistas!
É por esta simples, mas forte razão que me
empenho em favor do escravo em questão, pedindo-lhe com muito interesse para
você, que se orgulha em desposar a grande causa do abolicionismo, faça em prol
do direito deste infeliz o que lhe facultarem seus recursos, e luzes – ponderando
ao mesmo tempo em que vivamente lhe agradeço, associando-se a mim os amigos daqui
– Deus – e a humanidade.
Sim. O
escravo foi recolhido a deposito com a audiência já marcada pela 2ª feira próxima
vindoura, porém sucedendo-se um rapto por Manoel Câmara, manda-me aí o dito
escravo para o fim acima declarado, porém se não for, por causa disso, possível
tratar-se aí da liberdade do escravo, reitero meu pedido a você para por tudo
obter atestado médico, com que se prove o mau físico do escravo, ainda(compreenda!)
que este documento seja de duvidosa fé médica, mas que para o caso é um
poderoso elemento: afinal muito devo esperar dos seus sentimentos generosos, já
bastante conhecidos, e nos quais pouso as minhas esperanças nesta questão – o
advogado escravagista é Menezes! Vai o
cavalo de tio Aureliano, que está aqui, para você vir. Nisso fazemos, todos,
grande empenho, inclusive Padre Vigário, que neste sentido escreveu pelo
escravo ao Padre Tote, e alguém a Elias Souto.
Desejava imenso que você Emygdio aparecesse
ainda que não se demorasse, em último caso não podendo vir, mande o cavalo pelo
mesmo escravo, e mande-me cópia de requerimento, prevenindo um despacho
desfavorável, ou outro qualquer incidente nesta questão, que você melhor do que
eu pode prever.
Tio Aureliano pede-lhe para você tomar
prestado por poucos dias o violão encordoado do filho de Zeza, ou o de Galdino,
e tio Aureliano manda-lhe dizer que esperava encontrar você aqui, porém como infelizmente
não encontrou, pede-lhe com urgência para você vir cá que tem negócio sério com
você.
Diga-me, que do meu remédio? Pois preciso tanto
dele. Adeus. Tome em atenção o que lhe vim de dizer nesta, e disponha da
vontade do seu mano e amigo, Pedro Avelino.
P.S. Entenda-se com Tote sobre a questão do escravo.
Talvez seja preciso. As cartas vão por seu intermédio.
Esse Aureliano, citado acima, é Aureliano da
Rocha Bezerra, nascido ao 16 de junho de 1857, filho de Matheus da Rocha
Bezerra e Anna Angélica Bezerra. No seu batismo teve como padrinhos o Padre
Vigário Felis Alves de Sousa e a irmã Ana Bezerra da Natividade, mãe de Pedro e
Emygdio. Ele nasceu na mesmo ano que a irmã casou. Era um pouco mais velho que
Emygdio (1858) e Pedro Avelino (1861). Aureliano faleceu em 12/4/1886, com 29
anos de idade em Macau, pouco menos de um ano dessa carta.
O padre Tote, citado acima, era Antonio
Germano Barbalho Bezerra, filho de Antonio Barbalho Bezerra e Ignácia Francisca
Bezerra. Fundou a Sociedade Libertadora Assuense a 13 de maio de 1885, com o
propósito de libertar os escravos existentes no município de Assú. Foi o seu
primeiro presidente. Era irmão do padre Elias Barbalho Bezerra como conta
monsenhor Severino Bezerra, em Levitas do Senhor.
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