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sexta-feira, 8 de julho de 2011

UM PEDAÇO DE SAUDADE DE MACAÍBA

                                                                                                                                                                                                               CARLOS ROBERTO DE MIRANDA  GOMES   
(Da AML, UBE/RN, IHGRN,AMINN, ALEJURN, INRG, FINSC e OAB/RN)


Entre as minhas leituras cotidianas, deparei-me com algo que me trouxe um pedaço de saudade de Macaíba, terra onde vivi nos idos de 1948 a 1950, na inesquecível Rua Pedro Velho, cenário telúrico da minha infância. Refiro-me ao livro de Osair Vasconcelos – A Cidade que ninguém inventou, escrito numa linguagem coloquial e também nutrida pela emoção e pela saudade.
Como bem disse o seu autor, não é um livro de história de Macaíba, nem uma autobiografia, mas o registro de um período da vida macaibense, entre o final dos anos de 1950 até a primeira metade da década de 1970, precisamente na continuação do tempo em que ali vivi.
Inicia descrevendo lugares comuns da cidade – ruas, becos, quebradas, praças d’armas, quintais e prédios e personagens singulares de sua convivência – professores, apelidos, barbeiros, craques, carnavalescos, profissionais, os que partiram e os que morreram, traçando perfis, em particular, da sua turma de traquinagens, com retratos e tudo.
No capítulo que denomina A Vida, faz uma codificação de momentos e personagens que engrandeceram a terra das macaibeiras. Foi exatamente entre essas pessoas e sentimentos que revisitei Macaíba, percorrendo a memória daquele meu tão distante tempo e recordando da minha velha casa, com janelas altas e parapeito largo onde me acomodava para descortinar a paisagem e as pessoas, pois vizinho à antiga Igreja Protestante, esquina com o Hospital (Maternidade) Público, via a condução de pessoas enfermas em uma cadeira que servia, ao mesmo tempo, como padiola e ambulância.
De lá, contemplava o sítio do Major Andrade, onde desfrutei das jaboticabas no pé, a Igreja de São José (que vivia fechada), onde terminava o calçamento e começava uma subida de piçarro e pedras arredondadas, algumas apanhadas por mamãe para fazer ‘leite ferrado’. Naquele mesma janela assisti o desfile de carnavalescos, o caminhão com a alegoria de uma garrafa de cachaça ‘dois tombos’, pois na minha idade era proibido acompanhar o cortejo, ainda mais sendo o filho do Juiz de Direito.
Lembro da casa mal assombrada que ficava logo abaixo, em frente à casa de Gutemberg Marinho, filho de Seu Luís Marinho de Carvalho (esposo de D. Emerlinda), um respeitável líder espírita, cujos nomes me foram lembrados por Valério Mesquita. Na rua de trás estudei com a Professora Albaniza (Rua do “Gango”, oficialmente Rua Rodolfo Maranhão, meu tio-avô, confluência com a Rua Visconde do Rio Branco e hoje Rua Marcos Mafra).
No dia de feira, a esquina do sítio referido e até alcançar a Rua do Gango ficavam os animais que conduziam mercadorias, às vezes, uma jumenta no cio despertava o instinto de um burro ou cavalo mais afoito, que iniciava a sua conquista sexual, por cima das cangalhas, com um relinchado ensurdecedor, espalhando apetrechos e mercadorias pela rua, debaixo dos gritos dos curiosos, só terminando lá pras bandas do cartório de  Seu Aníbal Délio.
Na feira, também ficavam os cordelistas cantando suas loas e suas estórias e histórias num velho microfone de pé, amarrado com uma flanelas ‘suja’, mas encantando todos os que passavam e paravam por algum tempo para se deliciar e comprar algum cordel.
Procurei na Rua Pedro Velho pelo  velho Pax, com um grande quadro representando o desastre com o balão de Augusto Severo e o não menos antigo Cine Independência, que funcionava com uma única máquina, sendo obrigado a interromper várias vezes a sessão para a troca do rolo de filme, sob os assovios e gritos dos expectadores. 
No Mercado, com o seu obelisco em homenagem a Augusto Severo, cercado de correntes, ali ficava pelas 5 da tarde vendo a passagem dos ‘mixtos’ tocando Aza Branca na buzina e esperando a chegada do gazeteiro com os jornais do dia e as revistas em quadrinho das quais era freguês assíduo e me valeu formar, até hoje, a melhor coleção de quadrinhos do Estado, sem modéstia, dentre os quais os meus preferidos, Roy Rogers, Gene Autry, Rocky Lane, Tarzan, Vida Juvenil, Vida Infantil, Gibi, Guri e muitas outras mais.
A Rua da Cadeia (na verdade – Rua da Cruz ou, corretamente, Rua Dr. Francisco da Cruz), era o meu caminho para assistir os circos (levando as cadeiras de casa) e do campo de futebol, que ficava visinho ao Cemitério, sem iluminação, terminando as partidas quando a noite começava a apontar ou se a bola caísse  entre os túmulos e não fosse encontrada a tempo. Era torcedor do Cruzeiro e lembro os nomes de Galamprão – um goleiro de mãos enormes e de Taperoá.
Sobre as coisas da Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição, comandada pelo Padre Chacon, de quem fui coroinha nas procissões e algumas vezes ajudei nas missas e novenas, tenho lembranças imorredouras, como também das festas da padroeira, nos lados da Igreja, com brincadeira no pau de sebo, pastorinhas dos cordões azul e encarnado, cocais de castanha, farinha de milho em barquinhos de papel, venda de prendas.
Brinquei muito com currais de gado feitos de  manguitos caídos no chão, espetados em palitos de palha de coqueiro quando ia até o sítio dos Leiros – nem sei mais onde era!
Só voltei a Macaíba em 1958 para participar de uma eleição em que o meu tio afim Jessé Pinto Freire era candidato e tinha o apoio de Seu Alfredo Mesquita. Foi nessa ocasião que conheci Valério, alto, comprido e de calça curta junto à cadeira do seu pai. 
Fui outras vezes. Finalmente, minha última visita foi no dia do falecimento de Dona Nair. Tirei fotografias de alguns pontos que tanto estimei, mas não encontrei mais o Mercado, o velho Pax e o Cine Independência. A casa onde morei ainda existe, o sítio do Major Andrade é um Centro Cultural, a ladeira está calçada, a igreja dos crentes não é mais igreja e o hospital mudou de lugar. Não fui ao Cemitério nem procurei o campo de futebol. Fiquei apenas lembrando das pessoas, do dentista da Rua da Cadeia, de ‘Danga’ (Nássaro Nasser), de dois meninos que faziam caminhões de madeira, com luz e tudo, imitando os ‘mixtos’ daquele tempo. O resto foi saudade, muita saudade mesmo. 

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