Anderson Tavares - historiador
A pena de morte
A pena capital ainda é aplicada em muitos países, inclusive em nações consideradas desenvolvidas, mas que não encontraram uma forma de compreender e tratar questões de delitos praticados pelos seus cidadãos de forma menos cruel e desumana.
Vivendo em um regime democrático de direito, parece-nos distante a ideia de pena de morte. Contudo, historicamente, havia a aplicação da pena considerada já na Constituição Imperial Brasileira de 1824, e era monstruosamente aplicada através do sistema de forca.
No Rio Grande do Norte, a pena de morte arrancou da vida quatro indivíduos por ordem da lei; José Pretinho foi enforcado a 23 de maio de 1843, Inácio José Baracho a 30 de julho de 1845, Alexandre José Barbosa a 31 de outubro de 1846 e Valentim José Barbosa, fugindo a praxe habitual por não ter sentenciado que o executasse, foi morto por fuzilamento a 7 de agosto de 1847.
Pelo Código de Processo Criminal Imperial (Lei de 29 de novembro de 1832), conhecemos a marcha processual que não era simples.
Aberto o inquérito, apurados os indícios, com a direção do delegado de policia, podia este pronunciar, enviando imediatamente os autos ao juiz municipal a quem cabia sustentar ou revogar a dita pronuncia. O passo seguinte era um júri de acusação para positivar ou não a matéria justificativa da pronuncia e o juiz de direito concordava ou não com a decisão, remetendo os autos ao promotor público para que este apresentasse o libelo-crime-acusatório.
Libelado, procedia-se o júri. Condenado, o juiz de direito, ex-officio, apelava para a Relação do Distrito. Negado o provimento volviam os autos com o acórdão. Intimado o réu da decisão contraria, tinha este os oito dias para o Recurso da Graça, em petição encaminhada diretamente a sua majestade imperial o imperador, na esperança da comutação da sentença de morte em prisão perpetua, conhecida popularmente por galés perpetuas. Não sendo digno da imperial graça do Poder Moderador do imperador, o ministro da justiça comunicava às autoridades por aviso.
O juiz municipal anteriormente oficiado pelo juiz de direito, intimava o réu e marcava o dia da execução. Após o escrivão intimar a promotoria pública, iniciava-se a montagem da forca, geralmente na tarde da véspera ou alta madrugada do dia maldito, custeado pelo governo provincial.
Na cidade do Natal a forca era armada no largo do Quartel da Tropa de Linha, depois praça Tomás de Araújo Pereira. Informa Luiz da Câmara Cascudo que também ergueram a forca onde era o mercado do peixe, posteriormente mercado público da Cidade Alta e, atualmente, sede do Banco do Brasil. A forca não permanecia armada. A lei mandava desarmá-la logo após o suplicio.
O código de processo criminal não versava sobre os carrascos e ante a omissão da lei, não havendo carrasco oficial, designava-se um sentenciado igual de pena e, em sua falta outro qualquer.
A forca se erguia numa extremidade do tablado alto, espécie de palanque sem coberta, ao ar livre. Tinha, no braço horizontal, uma argola de ferro onde passava a corda, bem nova e untada de sebo para escorregar o pescoço do condenado.
Pela manhã do dia do suplicio o réu era barbeado e seguia acompanhado pelo juiz municipal, pelo promotor e pelo escrivão para assistir uma missa na matriz da Apresentação, quase fronteira da cadeia pública. Antes da elevação o préstito seguia compassado como uma procissão, cercado pelos soldados e curiosos.
O escritor Luiz da Câmara Cascudo recolheu de contemporâneos destes tristes espetáculos os nomes das ruas pelas quais teria que percorrer o réu com seu vestido ordinário e as mãos algemadas. Assevera Luiz da Câmara Cascudo: “o caminho era pela rua Grande (praça André de Albuquerque), rua Santo Antônio, rua do Sebo (General Osório), rua da Palha (Vigário Bartolomeu), rua Nova (Rio Branco), descendo até a praça do peixe (atual Banco do Brasil)”.
Uma multidão aguardava o cortejo sinistro e os pais e professores levavam seus filhos e alunos para que aquele ato servisse como exemplo. O padre, que havia acompanhado todo o espetáculo desde a prisão, ofertava ao condenado já ao pé da forca a última dádiva das senhoras católicas locais: vinho do porto com pão de ló. Depois, de degrau em degrau alcançava o alto onde o carrasco passava a laçada no pescoço do réu e ao sinal previamente ajustado, o juiz municipal retirava o chapéu – o condenado era jogado aos ares. O peso da vitima a estrangulava.
A multidão compacta na frente do patíbulo ouvia, no estertor derradeiro, o estalar das vértebras cervicais que se partiam. Com os últimos estribuchões o réu ficava imóvel. Cobriam o cadáver com um pano grosseiro. Após algumas horas pendurado a família podia reclamar o corpo e sepultá-lo sem pompa, sob pena de prisão de um mês a um ano, conforme se observa do art. 42 do código criminal. Os condenados sentenciados eram sepultados nos adros da capela de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos.
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